Marcos 6:45-52
Depois de uma vitória tão grande os discípulos foram obrigados, por Jesus, a subir no barco e remar para o outro lado, para Betsaida. Jesus despediu, sozinho, aproximadamente 10.000 pessoas, virou as costas para os discípulos e foi para o topo da montanha orar. E lá embaixo, na praia, ficaram os discípulos, decepcionados e frustrados. E como revela Marcos no verso 52, “não tinham entendido o milagre dos pães; antes, o seu coração estava endurecido.”
Os discípulos não só estavam cansados, como também frustrados com Jesus. Como pescadores experientes conheciam aquele lago traiçoeiro onde as tempestades costumavam chegar sem avisar. Tinham ido a vários enterros de colegas pescadores por causa delas. E, de fato, enfrentaram uma forte tempestade naquela noite. Alguém disse que “a maior tempestade não aconteceu no mar, nem no céu, a maior tempestade aconteceu nos corações dos discípulos. E o maior medo não foi ver as ondas assustadoras… O maior medo em seus corações foi ver seu líder pelas costas quando Ele se afastava em direção contrária”.
Você já viu Deus pelas costas? Você já enfrentou o silencio de Deus alguma vez? Quando você ora, e ora, e ora… e nada acontece? E nos perguntamos: “E Deus? Para onde foi?”
Eu já passei por isso.
Quando perdemos, subitamente, nosso filho mais novo, Fabio, um jovem pastor de 28 anos, por mais que eu tentasse e orasse, não conseguia sentir o amor de Deus nem ouvir a Sua voz.
No meu luto, o céu se tornara de bronze. Impenetrável… E Deus… calado!
No terceiro ano deste silencio de Deus, eu estava ministrando numa conferência na cidade de La Hage, na Holanda. Estávamos hospedados num antigo mosteiro do século 18, transformado em um centro de conferências. No segundo dia, quando tomava o café da manhã depois de todos terem se retirado do refeitório, entrou um outro conferencista. Pediu licença e perguntou se podia tomar café comigo. Era um homem de uns 50 e poucos anos. Tinha uma aparência triste e sombria.
Começamos a conversar e logo estávamos falando do sofrimento humano. Ele disse que acabara de receber a notícia da morte de seu melhor amigo. E acrescentou: “Com este, são oito pessoas que perco nos últimos 3 anos”. “Interessante, eu disse, meu esposo e eu também perdemos 8 entes queridos nos últimos 3 anos; inclusive nossas duas mães e nosso filho mais novo de 28 anos”.
Então lhe perguntei: “Como você lida com todas estas perdas? Isso faz algum sentido para você?” Ele respondeu: “Não, humanamente falando não faz sentido algum, mas pela perspectiva espiritual, posso até entender, Deus pode usar o sofrimento para cumprir o que Paulo escreveu aos Filipenses, como lemos no capítulo 3, verso 10: “para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos”. Em Colossenses 1:24 ele escreveu: “Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor do seu corpo, que é a igreja”. E acrescentou: “Por onde vou, eu encontro uma comunidade de pais e mães, maridos e esposas, servos de Deus que não foram poupados e que estão sofrendo perdas irreparáveis. Mas apesar de tudo, permanecem fiéis a Ele. E ao ver a dedicação e resiliência deles em meio ao sofrimento, a igreja é encorajada e fortalecida”. Aquilo calou profundamente o meu coração.
Fui para o meu quarto e caí de joelhos na beira da minha cama. “Senhor, eu quero ser digna da tua confiança… sem te envergonhar… Fala comigo, meu Deus!” E foi aí que vi minha bíblia aberta sobre minha cama em Lamentações 3:44…. “Te escondeste atrás de uma nuvem a fim de que oração alguma possa passar”. E fiquei ali aos Seus pés em rendição a Sua soberana vontade. E de repente, entendi o que sabia tão bem…Deus estava calado porque Ele é soberano. Se Ele confiou a sua reputação a mim, como fez com Jó, eu me renderia e me curvaria diante da sua soberania. Lembrei que, como líder de um movimento global, literalmente, pessoas no mundo inteiro estavam me observando. E me senti muito honrada de participar “da comunhão dos sofrimentos” do meu Redentor.
Pensei em Jó. Depois de ter passado por todo aquele sofrimento e de fazer todas aquelas perguntas à Deus. Deus respondeu a todas elas com um capítulo inteiro, não de respostas, mas de outras perguntas. E Jó acabou confessando: “Bem sei que tudo podes, e que nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Eu te conhecia de ouvir falar; mas agora os meus olhos te vêm” (Jó 42:4). Por isso me arrependo nas cinzas e no pó.
Foi o que fiz no meu pequeno cubículo naquela manhã gelada do inverno holandês. Fiquei ali de joelhos por um longo tempo arrependida e humilhada diante do Senhor.
Pela fé eu recebi o perdão de Deus pela minha arrogância de querer que Deus me desse satisfação… “Como assim, o Senhor ousa levar meu filho?” Bem como os discípulos na multiplicação dos pães, meu coração estava endurecido por conta da dor, mas… no fundo no fundo, era o meu egoísmo, orgulho e arrogância espiritual. Minha janela quebrada.
Durante os três anos de silencio aprendi lições preciosas:
1 – Aprendi que quando Deus se cala, a primeira coisa a fazer é calar também.
Temos que parar de espernear, de gritar, de perguntar, de dar sugestões a Deus, e de reclamar!
Grande parte dos meus anos de deserto foi porque a minha dor gritava tão alto dentro de mim, que não havia silencio para ouvir a voz de Deus. Somente pude ouvir a Sua voz quando me rendi a Sua soberania e sabedoria. E num esforço consciente, então, eu fiz calar a minha alma e a minha dor como o Salmista, no Salmo 131:1-2 “Senhor, não é soberbo o meu coração, nem altivo o meu olhar; pelo contrário, fiz calar e sossegar a minha alma; como criança desmamada se aquieta nos braços de sua mãe, como essa criança é a minha alma para comigo”. A nossa tendência é sair correndo para a amiga, para o pastor, para a psicóloga e não para Deus! Mas nossa dor não pode ser terceirizada. Ninguém, somente Ele pode responder a nossa necessidade. Jó do alto da sua vasta experiência com feridas e de sua dor exclamou: “Pois ele faz a ferida, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mãos curam” (Jó 5.18).
Durante aqueles três anos, pela graça de Deus, continuei viajando pelo mundo confortando, encorajando e falando a milhares de mulheres com dores muito maiores do que a minha. Ainda que por dentro eu estivesse sangrando. Muitas vezes Satanás me acusou de hipócrita, pois eu estava falando de coisas que eu não estava vivenciando. E, de fato, eu estava anestesiada emocional e espiritualmente. Assim, Deus me deu a graça de continuar a luta pela dor alheia. E quanto mais obedecia, semeando a palavra e a esperança, sim, com lágrimas, mais Ele abençoava o trabalho! E,
exatamente naqueles anos de silêncio, de luto e luta pessoal, o ministério quase que dobrou de tamanho e influência!
2 – Aprendi que – além de calar – precisamos fazer algumas perguntas difíceis a nós mesmos.
Há pecado não confessado em minha vida? Algum pecado oculto? Preciso vasculhar meus motivos, minhas prioridades, meu agir na família, no trabalho, na igreja etc. Estou conscientemente, ou inconscientemente ignorando uma ordem que recebi de Deus? Estou em dívida com Deus? Com marido, esposa, filhos, patrão, outros? Há falta de perdão? Há falta de transparência e prestação de contas em meus relacionamentos?
3 – Precisamos confessar, não só o pecado que cometemos contra o Senhor, mas também os pecados que outros cometeram contra nós.
Pecados ocultos que só você e a pessoa que cometeu sabem. Tais pecados distorcem nossa visão de Deus, nos ensurdecem espiritualmente e deixamos de ouvir a Sua voz. Precisamos confessar estes pecados. Confessar, entregar a Deus e abandonar o pecado. E onde há necessidade de perdão, mesmo que seja unilateral, é preciso perdoar. Mesmo que perdoar, nesta hora difícil, seja um exercício da sua vontade e não dos seus sentimentos. Perdão desentulha o nosso relacionamento com Deus.
4 – Aprendi que mesmo no silêncio Deus não está ausente.
No silêncio Deus ouve. Mesmo quando não sentia Deus, persisti em oração. E quando me senti fraca demais, procurei irmãs e irmãos que fizessem como Arão e Ur, segurando os braços de Moisés enquanto a batalha estava ferrenha no vale. E estes queridos me sustentaram com suas orações. Voei com asas emprestadas – as asas de sua fé, não a minha! Não podemos terceirizar a dor, mas o encorajamento e a fé, sim. Em Gálatas 2:6, Paulo escreveu: “Levai as cargas uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo”.
5 – Aprendi Persistência e fé.
Mesmo vendo Deus pelas costas, enfrentando Seu silêncio, e tendo outros me carregando em oração, eu tinha que continuar insistindo, batendo na porta do céu, ainda que o céu fosse de bronze. Aprendi, também, que Deus está no controle e que mesmo no silêncio Ele trabalha para que sejamos transformados na imagem de Cristo Jesus. Gosto muito daquela canção que diz: “É meu, somente meu, todo o trabalho…. o teu trabalho é descansar em mim.” Aprendi a descansar nele.
6 – Aprendi que Deus simplesmente se distancia para provar o que está no nosso coração.
Tem horas que Ele emudece. Ele fica incomunicável. Ele nos preocupa com sua ausência. Ele não sobe no barco conosco! Ele nos manda para o outro lado do mar. Por quê? Deuteronômio 8:2 nos dá a resposta: “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarías os seus mandamentos, ou não”.
7 – “Deus dá permissão à Satanás de provar a fé dos seus servos.
Uma das lições importantes que prendi na Holanda foi que Deus escolhe certas pessoas para sofrer por amor a sua causa. Pessoas como Jó, a quem Ele pôde confiar a sua reputação. Pessoas como Paulo, carregando o espinho na carne sem nunca desistir da obra que Deus lhe dera para completar. Pessoas que Ele permite fazer parte da comunhão dos seus sofrimentos, sabendo que estas pessoas nunca o envergonharão.
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Os discípulos continuaram lutando na tempestade. Esperaram seis longas horas, sem dúvida, pensando que Jesus os havia abandonado. A tempestade tem esse efeito em nossas vidas. No desespero, ela revela o que realmente está no nosso coração. Se honramos e respeitamos a sabedoria e soberania de Deus, ou não.
Gosto do que Marcos nos revela neste tempo de espera dos discípulos em meio a tempestade. Ele diz: “Jesus observava que o vento era contrário” e por isso foi ao encontro deles. Jesus sabe tudo a respeito de “ventos contrários”, jamais esqueça isso!
Jesus sabe o que você está enfrentando agora. Ele vai chegar para mandar a tempestade sumir, acabar, no entanto, muitas vezes em sua bondade, Deus nos faz esperar pela resposta que chega no Seu tempo, não no nosso! Na tempestade, quando não conseguimos entender o que a mão do Senhor está fazendo conosco, sempre podemos confiar em Seu coração!
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A noite vai alta, os discípulos prestes a naufragar e Jesus, enfrentando ventos contrários, caminha em direção ao barco para aquietar seus discípulos. Que quadro poderoso este!
Marcos diz que seus corações estavam inflexíveis, e assim não O reconheceram. Suas expectativas não haviam sido respondidas. O vidro de suas janelas da alma estava estilhaçado e sua visão distorcida. Tanto assim, que, o que foi que eles viram? Não o homem com quem estavam vivendo dia e noite por 3 anos, mas sim, um fantasma! Que quadro ridículo! Homens fortes, machões, experientes, gritando de medo de um fantasma imaginário!
Talvez de dentro dos “ventos contrário” que rugem em sua alma agora, a figura que você vê andando em sua direção lhe parece um fantasma, mas não…. É Jesus! Ele vem para distorcer sua visão deturpada dele mesmo, e do fundo do seu coração compassivo Ele diz: “Não temas!” Ele vem cumprindo sua promessa maravilhosa em Isaias 43:1-2 “…assim diz o Senhor que te criou…: Não temas, tu és meu. Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama alguma arderá em ti”. Ele é Deus presente, Deus bondoso, Deus restaurador, Deus fiel a si mesmo. E como disse o salmista: “Ao fiel, tu (Senhor) permaneces fiel”
E se, em sua infinita sabedoria e vontade, ele não acalmar a tua tempestade, Ele tem o poder de te capacitar a andar sobre as águas turbulentas da tua vida. Na verdade, ele nunca está longe, o seu amor e sua palavra me asseguram que “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os de espírito oprimido” Salmo 34.18
Marli Spieker